Na dinâmica do fazer científico, uma engrenagem é essencial para atestar a qualidade do trabalho do cientista e, em última instância, transmitir a potência necessária para o desenvolvimento do conhecimento.
É esse papel que cabe aos revisores, docentes de notório saber em sua área de atuação que atuam na validação das pesquisas dos colegas, traz a reportagem de Fabio Mazzitelli para o Jornal da Unesp.
Professor da Unesp de Ilha Solteira, Antonio Seridonio, do Departamento de Física e Química, conseguiu em 2020 romper a barreira da invisibilidade que cerca esse tipo de atividade ao receber a certificação internacional de “Revisor do ano” do Journal of Physics: Condensed Matter.
O reconhecimento de melhor revisor de 2020 ocorreu após o docente entrar no rol dos 25 pesquisadores que se destacaram pela excelência do trabalho no ano passado.
Nas palavras do professor: “A ciência é uma atividade humana e, sendo assim, é passível de erros. Por isso é necessário esse processo de arbitragem para dar validação ao trabalho científico e suprimir, o máximo possível, a divulgação de resultados imprecisos ou incorretos. Assim, contribuímos para a finalização de artigos científicos de terceiros e, com isso, para o progresso da ciência”.
Sigilo absoluto
Na Unesp desde 2010, o docente começou a emitir pareceres em 2012. A atividade não é remunerada, ocorre de forma simultânea aos outros afazeres de um professor universitário no âmbito da pesquisa, do ensino e da extensão e, principalmente, tem como característica o sigilo absoluto.
Os autores de papers nunca ficam sabendo quem está avaliando as suas pesquisas e, em alguns casos “duplo cego”, nem o parecerista toma conhecimento dos autores para tornar a apreciação do trabalho o mais imparcial possível.
Para que um determinado estudo seja validado e liberado para publicação em uma revista científica, em geral, são necessárias duas revisões favoráveis a seus resultados, no mínimo.
Atualmente, Antonio Seridonio, que é físico teórico, revisa anualmente de 12 a 15 pesquisas científicas em sua área de atuação, a física da matéria condensada. São trabalhos submetidos a diferentes periódicos e de diversas origens.
Já avaliou manuscritos de universidades chinesas, alemãs, norte-americanas, entre outras. Aprovou a publicação de alguns, denegou outros.
Os prazos para a conclusão do parecer costumam variar de duas semanas a 40 dias e a parte mais complexa da tarefa é indeferir uma pesquisa.
“Embora o paper seja de sua área de atuação, isso nem sempre facilita, pois existem abordagens muito específicas. Para reprovar, é mais difícil, porque precisa de um parecer bem fundamentado, o qual deve ser elaborado em detalhes, onde nele descobrimos o que está certo ou errado. Aprendemos muito fazendo este tipo de avaliação. Mesmo que seja ‘cego’, é um diálogo com o autor do estudo. É assim que se constrói a ciência”, diz Seridonio.
Contra a desinformação
O relativo desconhecimento da atividade dos pareceristas por parte do grande público é prejudicial à credibilidade da ciência como um todo, pondera o docente da Unesp.
Essa “invisibilidade” dos revisores tem potencial para gerar desinformação, como no caso da popularização do estudo que levantava a hipótese de efeitos benéficos da hidroxicloroquina, ou cloroquina, para um suposto “tratamento preventivo” da Covid-19.
Essa hipótese constava em uma versão pré-print, sem revisão por pares (peer review), e foi muito propagada em 2020 por pessoas alheias ao meio científico.
Todos os trabalhos nesse sentido, após criteriosos diálogos travados com pareceristas no processo de revisão dos estudos científicos, indicaram a ineficácia do medicamento contra a doença.
“Os repositórios de pré-prints são importantes para garantir a autoria de um estudo e ajudam os pesquisadores no acesso a conteúdos ainda não publicados, ideias em teste que podem ajudar em pesquisas que estão em desenvolvimento. Mas o trabalho científico que não é avaliado e chega ao público como verdade desencadeia uma série de problemas”, afirma Seridonio. “Em épocas que muitos estão vivendo na base do achismo, jogar luz sobre a importância da atividade dos revisores dos estudos científicos ajuda a entender como se faz ciência e evitar a sua negação”, diz o docente do câmpus de Ilha Solteira.
Crivo científico
O reconhecimento de “revisor do ano” destinado ao professor da Unesp por uma publicação internacional deve servir de estímulo a todos que desempenham esta atividade, na visão do professor Dionizio Paschoareli Júnior, presidente da Comissão Permanente de Avaliação (CPA) da Universidade.
“A revisão é o crivo (científico). Muitas vezes, os colegas fazem este trabalho sem ter a percepção de sua dimensão. Esse reconhecimento é importante para valorizar esta atividade e acaba por repercutir na qualidade final dos trabalhos e resultados científicos. Só é convidado para dar parecer quem tem qualidade para avaliar seus pares”, afirma Paschoareli. “A CPA manifesta as suas congratulações ao professor Seridonio e aproveita a oportunidade para cumprimentar os docentes da Universidade que realizam atividades de revisores e pareceristas.”